quinta-feira, 1 de novembro de 2007

PÊSSEGOS

Ele tinha mordido um pêssego e estava a cheirar a polpa fibrosa junto do caroço. Creio que sorri, reconhecendo os meus modos afectados. Estes pêssegos eram uma desconcertante delícia, alguns deles, provocando aquele tipo de sensualidade que é tão inesperadamente profunda que parece exigir outro contexto. Não se espera que as coisas vulgares sejam assim agradáveis. Nada no exterior do pêssego nos diz que ele irá ser tão suculento, húmido e aromático, com o sumo a escorrer-nos pelas gengivas, nem tão subtilmente colorido por dentro, de um aveludado dourado com veios cor de rosa. Tentei discutir isto com os rostos do outro lado da mesa.- Mas eu acho que o prazer não é fácil de repetir - disse Eliades. - Amanhã comemos um pêssego do mesmo cesto e ficamos desapontados. Então perguntamo-nos se não estaríamos enganados. Um pêssego, um cigarro. Aprecio um cigarro em cada mil. Todavia continuo a fumar. Julgo que o prazer está mais no momento do que no acto. Continuo a fumar para encontrar esse momento. Talvez tente até morrer.
"Excerto de " Os Nomes ", Don Delillo, Trd. Maria Manuela Ribeiro, Ed. Relógio D´Água,publicado também na colecção Mil Folhas do Público.

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