sábado, 15 de setembro de 2007

VISEU MOBILIZA-SE POR UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA E CATÓLICA (OU LAICA NÃO PRATICANTE) DE ESTUDOS AVANÇADOS E PRIVADOS

Carlos Vieira

Quando as audiências pareciam desmobilizadas pela revelação antecipada do final da novela da Universidade Pública de Viseu, com toda a gente desinteressada em assistir ao anunciado desenlace fatal, eis que é desvendado um novo capítulo. No último dia de Agosto, o Jornal de Notícias dava conta do lancinante romance entre o Instituto Politécnico de Viseu (IPV) e o pólo de Viseu da Universidade Católica (UCV). Parecia quase um conto de fadas, em que a pobre Cinderela (UCV), pobre e magríssima, é salva da miséria pelo príncipe encantado, João Pedro de Barros, senhor do feudo do IPV. Mas, quando o príncipe levava a sua amada para o castelo, eis que surgem duas bruxas más, Manuel Pinho e Mariano Gago que lançam um feitiço para impedir o casamento. É então que entram em cena os gnomos, ou seriam os sete anões? Não deu para lhes ver a cara. Usavam passa-montanhas, como já nem os assaltantes de bancos usam, e só o que parecia o chefe, é que se deu pelo nome: “Cotta, João Cotta, fujam comigo para o meu palácio . É um palácio de gelo e lá dentro tenho uma arma secreta, um monstro chamado Jumbo, um cavalo de tróia para atacar à traição os lilliputianos do comércio tradicional que são os invejosos do caraças e não podem ver um grande empresário a fazer publicidade a um grande empreendimento. Tanto foi um acto de cidadania que até a Loja do Cidadão se vai abrigar lá para dentro do palácio”.
Enquanto Cotta lhes dava música, os dois amantes dançavam apaixonados, mas ao soar das doze badaladas, rodopiaram vertiginosamente e transformaram-se em abóboras. Cotta meteu-as num saco plástico que foi pedir a uma caixa do hipermercado e dirigiu-se para a sua carruagem, apregoando em surdina: “Não há abóboras mais baratas do que as do Jumbo!”.
Têm razão, isto é pior do que a Floribela! Vamos lá falar a sério.
É evidente que esta história está mal contada. Que a UCV tem um buraco financeiro de vinte e cinco milhões de euros, não é novidade, já que em 2003 o próprio reitor Braga da Cruz o reconhecia a propósito da denúncia de cortes de um terço dos salários pagos a alguns professores. Houve inclusivamente notícias que indiciavam má gestão e até fuga ao pagamento de impostos por não constar dos recibos dos professores parte dos vencimentos efectivamente auferidos (Via Rápida, 18.12.2003 e JN, 31.03.2005), a par de denúncias de alunos e professores sobre a falta de condições sociais e pedagógicas. Isto apesar das propinas elevadíssimas e do Estado ter subsidiado propinas de cursos do Centro Regional das Beiras, considerando-os supletivos do ensino público (500 mil contos anuais concedidos durante 23 anos).
Eu próprio propus, neste jornal, que o Estado português comprasse o pólo de Viseu da Universidade Católica Portuguesa (UCP), resolvendo, assim, o problema financeiro que levava a reitor da UCP a ameaçar constantemente com o encerramento deste estabelecimento de ensino concordatário se fosse criado em Viseu uma Universidade Pública. Aliás, esta minha proposta seria referida por Joaquim Azevedo, ex-Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário e actual presidente do Centro Regional do Porto da UCP, no debate, “Olhares Cruzados”, promovido pelo jornal Público no Teatro Viriato, em 17.03.2004, como uma das hipóteses de criação da Universidade Pública de Viseu (UPV), ainda que a menosprezasse. Afinal, agora parece que a própria UCP negociou com o IPV a venda das instalações de Viseu. Pena é que não se saiba os termos exactos do acordo. Sem esses dados não poderemos avaliar se foi justo ou não o veto dos ministérios do Ensino Superior e das Finanças. Porque há, desde logo, um problema que salta à vista: como é que um estabelecimento do ensino concordatário, confessional, se pode fundir com uma instituição de ensino público, logo, forçosamente (por imperativo Constituição) laica?
Resolvida esta questão não me repugna o negócio, pelo contrário. Sempre critiquei a insustentabilidade do sistema bipolar, ou binário, do ensino superior, que cada vez se justifica menos. Basta lembrar-nos de que os cirurgiões portugueses só em 1911 (!) é que foram equiparados a médicos, já que até aí a sacrossanta Universidade de Coimbra não reconhecia o grau de doutor aos formados pelas Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e do Porto.
A concorrência entre universidades e politécnicos acentua-se porque ambos têm vindo a infiltrar-se no campo uns dos outros, na formação de professores, na investigação, na criação de escolas técnicas, na ligação a empresas. Mas o lobby universitário continua a impedir os politécnicos de formar os seus docentes. Um técnico de Saúde, de radiologia, análises clínicas ou outras especialidades, tem de submeter-se a provas de mestrado ou doutoramento perante um júri de doutores de Medicina que não percebem nada da área técnica. Por sua vez um doutorado que leccione numa Escola Superior de Saúde politécnica está impedido de integrar um Júri, por força da subalternidade da sua escola.
Há poucos meses, as universidades do Algarve e de Évora juntaram-se aos politécnicos de Santarém, Setúbal, Portalegre e Beja para fazer face à redução de alunos e de cortes no financiamento, através da criação de uma Academia do Sul que não só permitirá partilhar alunos como evitar “desperdício de recursos”, e trabalhará em rede com universidades da Andaluzia e da Estremadura espanhola.
Torna-se evidente que o novo Regime Jurídico do Ensino Superior que mereceu as críticas da oposição parlamentar, dos reitores e dos sindicatos, que abre o caminho à privatização do ensino superior, é que suscitou a criação de uma fundação, como a que João Cotta, presidente da Associação Empresarial da Região de Viseu (AIRV), admitiu ter sido conjecturada. A opção por uma associação entre a AIRV, o IPV e a UCV como “suporte jurídico” para o projecto de uma “escola de estudos avançados”, que Cotta confessou andar a ser preparado há cerca de um ano, pode revelar a apetência pelo negócio das pós-graduações.
A comercialização da Educação pode ter consequências gravíssimas. Como dizia o professor e investigador da Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos, em entrevista ao jornal “Página da Educação, Julho de 2002: “a educação corre o risco de deixar de ser um direito de cidadania e passar a ser um bem de produção e de consumo sujeita à lógica do mercado, produzindo todas as exclusões que o mercado produz. É uma reversão da conquista secular que constituiu o direito à educação e do instrumento privilegiado de acesso a esse direito que foi a escola pública”.
Ao contrário do que a ministra da Educação insinuou, Portugal não tem formados a mais, pelo contrário, tem uma das menores taxas de licenciados da Europa. O mal do nosso país é ter empregos a menos, para as necessidades sociais, para uma maior produtividade das empresas e melhor organização e eficácia dos serviços públicos, a começar pelo Ensino, onde apesar do desemprego e precariedade dos professores, estes vêem aumentada a sua carga horária e as turmas cada vez são mais sobrelotadas, com 28 e mais alunos. Depois a ministra ainda se ufana de ter diminuído o insucesso escolar em 3%, quando nós temos a maior taxa de insucesso da união Europeia, muito mais de 30%, quando a média europeia é de 15%.
Voltaremos ao assunto.

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