Ricardo Coelho
Este verão foi assolado com a notícia da destruição de milho transgénico por parte de um movimento auto-intitulado “Verde Eufémia”. A acção foi prontamente rotulada de eco-terrorista e não tardou até que fosse associada ao Bloco de Esquerda. Exageros e mentiras à parte, será relativamente consensual a ideia de que a acção foi mal organizada e que não houve a capacidade por parte dos organizadores (sejam eles quem forem) de reagir correctamente à onda de histeria que atravessou os sectores mais conservadores da sociedade. No entanto, ninguém poderá contestar o facto de que foi necessário chegar a este ponto para que a questão dos organismos geneticamente modificados (OGM) fosse debatida. Agora que a poeira assentou, podemos analisar o que está em causa com a introdução destes organismos na natureza. Os riscos para a saúde
Os defensores dos transgénicos defendem a sua inocuidade para a saúde humana afirmando que não há estudo que comprovem o contrário. Mas isso corresponde apenas metade da verdade. A outra metade encontra-se no facto de que nunca foram feitos suficientes estudos sérios e independentes neste domínio. Já em 2000 a Science registava apenas seis estudos científicos sobre a toxicidade ou efeitos adversos dos OGM em humanos ou animais. Ora, apenas se pode encontrar algo quando se procura.
Pode-se argumentar ainda que, se de facto os OGM fossem um perigo para a nossa saúde, então teríamos já milhares de pessoas nos EUA ou na China doentes. Mas este raciocínio passa por cima de um factor essencial no tratamento de informação estatística na área da saúde e que é o cruzamento de dados. Mesmo que haja uma relação causa-efeito entre a ingestão de OGM e o surgimento de novas doenças, essa relação apenas será descoberta se fossem efectuados estudos epidemiológicos adequados. Por outro lado, os efeitos na saúde humana da exposição a certas toxinas podem tardar a demonstrar-se (basta ver, por exemplo, o caso da exposição a amianto).
Os riscos para a agricultura
A manipulação genética dos produtos alimentares oferece-nos a perspectiva de termos aumentos de produtividade consideráveis. Dominando a natureza, podemos acabar com a fome no mundo, garantem-nos a Monsanto e a Novartis. A evidência, contudo, desmente estas promessas. O problema da fome no mundo é, hoje, mais um problema de distribuição desigual de recursos que um problema de escassez na produção. Por outro lado, variados estudos realizados nos EUA têm demonstrado que a produtividade da agricultura tende a ser mais baixa no caso em que se cultivam OGM. Há dois motivos para isto acontecer. O primeiro consiste no facto de o processo de transgénese (introdução de um gene estranho no organismo em causa) diminui as resistências da planta face ao stress provocado por oscilações no clima, pragas ou deficiências nutritivas. O segundo tem a ver com o atraso temporal inerente ao processo de transgénese. O desenvolvimento de um novo OGM pode demorar vários anos e entretanto podem surgir variedades convencionais mais produtivas.
Já houve casos de sucesso, note-se. No entanto, mesmo quando a produtividade das culturas OGM é mais elevada que a das culturas convencionais, o preço mais elevado das sementes tende a anular os ganhos para os agricultores. Para um produtor agrícola, aliás, enveredar pelo cultivo de OGM pode ser um pouco como assinar um pacto com o diabo. Tendo em conta que as sementes são patenteadas, que não existe a possibilidade de reservar uma parte da produção para novas sementeiras e que os produtores agrícolas são forçados a adquirir agro-químicos compatíveis com os OGM produzidos pela mesma empresa que lhes forneceu as sementes, será fácil de perceber como a introdução de culturas transgénicas oferece a algumas grandes empresas o poder de controlar todo o processo produtivo inerente à produção de alimentos. A integração vertical de todo o sector agrícola representa assim a última etapa na transformação do agricultor num assalariado de uma corporação que se apodera de uma fatia cada vez maior dos lucros.
O maior risco, contudo, para a agricultura consiste na possibilidade de contaminação das culturas por polinização cruzada. As distâncias de segurança exigidas por lei nunca serão suficientes para anular este risco, tendo em conta que os pólenes podem viajar dezenas de quilómetros, arrastados pelo vento. Nos EUA a contaminação das sementes atingiu tal proporção que tornou impossível a aquisição de sementes biológicas não importadas. Para mais, como o risco de contaminação continua presente mesmo após a sementeira, é extremamente complicado para um agricultor assegurar que os seus produtos são certificados como não-OGM. Para a agricultura biológica este é um sério problema, já que a contaminação de uma plantação pode levar à ruína um agricultor que tenha optado por este modo de produção.
A contaminação das culturas não-OGM com pólenes de OGM mostra-nos porque é um absurdo dizer que os agricultores devem poder escolher o que cultivar sem qualquer interferência da parte dos órgãos centrais da Administração Pública. Tendo em conta que a coexistência entre diferentes tipos de culturas é impossível, o alargamento das culturas de transgénicos na Europa levará ao fim da agricultura biológica, pondo também em causa a preservação da agricultura convencional não-OGM.
Teoricamente, o problema poderia ser resolvido nos tribunais. Os agricultores que enfrentassem prejuízos económicos por a sua produção ter sido contaminada com OGM poderiam processar as empresas que os comercializam. Na realidade, o que tem acontecido é o oposto. A Monsanto chega ao ponto de contratar detectives privados para invadir campos de cultivo à procura de indícios dos seus OGM. Caso encontrem sinais de contaminação, processam o agricultor atingido por utilizar a sua patente sem autorização. Num surpreendente volte-face da justiça, os agricultores vitimizados passam a potenciais criminosos.
Os riscos para o ambiente
Outro dos mitos comuns em relação aos OGM é que permitirão reduzir a utilização de agro-químicos. Mas, mais uma vez, a evidência empírica diz-nos o contrário. Estudos sobre a utilização de herbicidas e pesticidas concluíram que a utilização destes químicos nos campos cultivados com OGM é semelhante, se não superior, à que se regista nos campos cultivados com sementes convencionais. A excepção são as plantas em que se inseriu um gene de um pesticida mas mesmo nestes casos a vantagem é apenas ilusória, já que é a própria planta que liberta o químico em causa.
As vantagens de novos meios de controlo de pragas são, por outro lado, frequentemente ilusórias e de curta duração. Já no passado algumas espécies de insectos e plantas desenvolveram resistências aos químicos mais poderosos. A ânsia de aumentar a produção a curto prazo pode assim levar a um colapso da produtividade a médio ou longo prazo.
O risco de contaminação, referido anteriormente, também levanta um outro problema: o da introdução de espécies exóticas e invasoras no meio natural. Espécies de plantas geneticamente modificadas ou híbridas podem espalhar-se na natureza, competindo com as espécies tradicionais. Pela lógica darwiniana da selecção natural torna-se possível inclusive a extinção de algumas espécies naturais, pondo em risco a biodiversidade.
O futuro da comida
A agricultura do futuro tem que assentar numa ruptura com o modo de produção intensivo, causador de poluição de solos e cursos de água e de variados problemas de saúde. Tecnologias que prejudicam o meio ambiente, pondo em causa o nosso futuro neste planeta não trazem qualquer benefício para a sociedade. Adoptá-las não é ser progressista, é ser irresponsável. É insistir num dogma que trouxe demasiados prejuízos para a humanidade para que seja razoável defendê-lo.
Todos os dias são desenvolvidas novas técnicas, fertilizantes, herbicidas e inseticidas que permitem aumentar a produtividade da agricultura biológica sem contaminar o meio ambiente. Se os produtos bio são tão caros em Portugal, isso deve-se antes de mais ao facto de serem ainda cultivados em muito pequena escala. Em países como a França ou a Alemanha, por outro lado, onde o modo de produção bio está muito mais disseminado, a diferença de produtividades (e, por inerência, de preços no consumidor) entre este e o modo de produção convencional é nula. É tudo uma questão de economias de escala: quanto mais se produz, mais baixos são os custos de produção.
Quanto à ideia de que a produção biológica não pode alimentar o mundo, é simplesmente contra-factual. Numerosos estudos já desmentiram esta ideia. Mas isso seria objecto de um outro texto.
Fontes:
Silva, Margarida (2003) – Alimentos transgénicos: um guia para consumidores cautelosos . Lisboa: Universidade Católica Editora
Monbiot, George - Organic Farming Will Feed the World
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