Um estudo divulgado hoje em Paris pela FAO – organismo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação e OCDE-Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico, revela que a crescente demanda por biocombustíveis já está a provocar uma alteração no mercado agrícola internacional, com a consequente subida dos preços de alguns alimentos. O prognóstico dos organismos das Nações Unidas é tornado público no mesmo dia em que Bruxelas discute as políticas de apoio aos biocombustíveis.
Os autores do estudo intitulado "OECD-FAO Perspectiva Agrícola 2007-2016" estão convencidos de que os preços dos produtos agrícolas vão subir. Consequência: os consumidores terão de pagar mais pela carne, produtos lácteos e óleos vegetais, o que aliás já se verifica. Os países importadores e as camadas mais pobres das populações urbanas têm motivos para estar preocupados.
Segundo a FAO, o preço da carne subiu 7,6% no mês de Março em comparação com igual período em 2006. O preço dos produtos lácteos, por sua vez, aumentou 46% desde Novembro.
Desequilíbrio nos mercados
O documento refere ainda que a procura de cereais, açúcar e óleos vegetais, usados em larga escala na produção de biocombustíveis – indústria rápida expansão – irá afectar significativamente o sector agrícola nos próximos dez anos.Os autores do estudo afirmam que as “mudanças estruturais como o aumento na procura de matéria-prima para a produção de biocombustível, bem como a redução de excedentes resultantes de reformas no sector agrícola, levadas a cabo no passado, podem manter os preços acima dos níveis de equilíbrio históricos durante os próximos dez anos”.Prevê-se que substanciais quantidades de milho nos EUA, trigo na União Europeia e açúcar no Brasil vão ser usados na produção de etanol e biodisel.
O caso do milho – principal matéria-prima utilizada na alimentação animal – é paradigmático. De acordo com os relatores da OCDE/FAO, estima-se que somente nos EUA, no período entre 2007 e 2008, serão necessárias 86 milhões de toneladas de milho para a produção de etanol. Ou seja, 60% a mais (30 milhões de toneladas) do que o total utilizado no período anterior. Representa também uma quantidade superior ao volume total de exportações de milho em todo o mundo, estimado em 82 milhões de toneladas. Nos EUA, a quantidade anual de etanol produzido a partir do milho deverá duplicar até 2016.
Na União Europeia – que produziu 3,9 milhões de biocombustíveis em 2005, um acréscimo de 60% em relação a 2004 – a quantidade de cereais para a produção de biocombustíveis deverá passar de 10 milhões de toneladas para 21 milhões de toneladas, até 2016.
Metade da matéria-prima utilizada pela UE para produzir biocombustível é originária do Brasil, que exportou 50% das 538 mil toneladas de óleos de soja e palma comprados pela UE com este fim.
O açúcar é o único produto que ainda não corre o risco de ficar mais caro, apesar do Brasil – maior produtor mundial – continuar a utilizar uma quantidade cada vez maior de cana-de-açúcar para a produção de etanol, disse à BBC Abdolreza Abbassuan, um dos autores do estudo.
Biodiversidade em perigo
No passado mês de Abril, cerca de 200 organizações ambientalistas assinaram uma carta aberta a classificar o etanol como “ameaça disfarçada de verde”. O documento, divulgado em Madrid, critica duramente a União Europeia que este ano fixou metas de utilização de biocombustíveis, e aponta para outros tipos de energia alternativa – eólica, solar e de biomassa – muito menos prejudiciais para o ambiente.
Os ambientalistas argumentam que grande parte da matéria-prima destinada à produção de biocombustíveis na UE será exportada pelos países do hemisfério sul. “Ora, embora isto pareça uma grande oportunidade para as economias do sul, as monoculturas (soja, milho, cana-de-açúcar e palmeira) conduzirão a uma maior destruição da biodiversidade e do sustento da população rural”.
Questionado pelo Expresso, o responsável pelo GAIA-Grupo de Acção e Intervenção Ambiental defende que "os biocombustíveis ou, mais correctamente, agrocombustíveis são, mais do que uma solução, uma ameaça para a segurança e soberania alimentar”. Gualter Barbas Baptista explica: "Na hora do agricultor decidir entre um cultivo para alimentação de pessoas que ganham menos de um dólar por dia ou para abastecer automóveis a mais de um dólar por litro, obviamente que estaremos perante um sério problema para toda a sociedade".
Para este ambientalista português, há ainda outras razões para se recusar a nova política energética europeia. Com efeito, os resultados de alguns estudos científicos recentes "indicam que os agrocombustíveis consomem mais energia do que aquela que nos devolvem, devido à elevada intensificação da agricultura, assente no monocultivo (incluindo a utilização de transgénicos) e a associada mecanização e utilização de agroquímicos, como os pesticidas e os fertilizantes".
Maria Luiza Rolim
Fonte: Expresso.pt
via http://www.gaia.pt.org/
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